O pequeno que muda o planeta - Escritor CF Scuo
Lino BregerOpiniões acerca do mundo

O pequeno que muda o planeta

Não estamos dando a devida atenção à poluição dos plásticos. Um material artificial criado pela ciência, os plásticos ganharam centralidade nas sociedades contemporâneas. Estão em toda a parte. São descartados no ambiente em volumes extraordinários diariamente.

A mesma ciência que o criou também atribuiu ao plástico um risco pequeno para as pessoas e a natureza. Ele era considerado um material inerte, não tóxico e com baixos riscos à saúde, cujo principal problema consistia no tempo que levava para decompor.

Nada mais errado. A realidade mostrou a precipitada falácia científica. Alguns tipos de plástico são cancerígenos. Em função de seu uso, ou uma vez introduzido no ambiente, em vez de iniciar um processo de decomposição, o plástico entra em um processo de fragmentação.

Ele se quebra em partes cada vez menores. Ele alcança a dimensão de micropartículas, fragmentos com menos de 5 milímetros de tamanho. Que se espalharam pelo globo e podem ser encontradas em todas as regiões - inclusive na Antártica e na Groenlândia -, nos corpos dos animais e até no cérebro de humanos.

Neste planeta Terra, isso preocupa. O pequeno pode mudar o rumo da história.

Bactérias


Há cerca de 2,4 bilhões de anos atrás, o planeta apresentava uma configuração bastante diferente. A atmosfera se compunha de nitrogênio, dióxido de carbono e metano. Era tóxica. Havia muito pouco oxigênio no ar.

Sem oxigênio, não existia a camada protetora do ozônio. Os raios ultravioletas do sol atingiam a superfície terrestre. O oceano também apresentava características muito distintas das atuais.

Microrganismos unicelulares colonizavam o oceano. Utilizavam processos anaeróbicos para sobreviver, retirando energia dos minerais presentes na água. Desses microrganismos primordiais, evoluíram novas espécies de cianobactérias capazes de realizar a fotossíntese, a partir da qual capturavam a energia da luz solar.

Foi um sucesso estrondoso, desencadeando uma monumental abundância de cianobactérias fotossintetizantes. Ao longo de milhões de anos, as bactérias modificaram a composição química do oceano, oxigenando as águas.

Depois, o oceano passou a liberar oxigênio para a atmosfera. Porque o metano reage quando exposto a oxigênio, suas concentrações atmosféricas caíram significativamente. À medida que o oxigênio se acumulava, deu-se a criação da camada de ozônio.

Especula-se que a grande oxigenação - um processo de milhares de milhões de anos, dividido em diversas etapas - representou o fim do domínio dos microrganismos anaeróbicos. Talvez mesmo uma extinção em massa desse tipo de vida.

Por outro lado, a disseminação do oxigênio pelo planeta inaugurou condições propícias para a evolução de formas de vida mais complexas.

Micropartículas plásticas como se fossem cianobactérias?


Não seria exagero comparar a poluição de plástico atual com a oxigenação da Terra por cianobactérias, um processo monumental que levou estimados 300 milhões de anos?

O monumental é uma das características das sociedades geradas por volta da Revolução Industrial. Comparadas com sociedades de outros tipos e anteriores, as sociedades modernas, capitalistas, orientam-se pela acumulação e pelo lucro.

Para tanto, empregam a intensificação de métodos e de técnicas com fins de manipular e consumir volumes crescentes de matéria e energia. Seus efeitos colaterais e subprodutos igualmente explodiram em quantidade, de efluentes líquidos à emissão de gases, da alteração do solo ao ciclo de nutrientes como o fósforo.

Em aproximadamente 50 anos, a produção mundial de plástico ficou 200 vezes maior. Estimativas da OECD apontam que a produção quadruplicou entre 2000 e 2019, atingindo cerca de 460 milhões de toneladas anuais.

Desse total, transformam-se em resíduos - lixo - aproximadamente 350 milhões de toneladas, ou 76% do que foi produzido. O volume total da produção encheria 460 estádios do Maracanã. O lixo corresponde a 350 estádios cheios de plástico descartado.

Estima-se também que 22% dos resíduos de plástico, por volta de 77 milhões de toneladas anuais, não entram no correto sistema de coleta e processamento de lixo. Vão parar em lixões irregulares, em lagos, córregos e no oceano.

Somente em 2019, por exemplo, a OECD sugere que 6,1 milhões de toneladas de resíduos de plástico foram jogados em ambientes aquáticos. Quase 2 milhões de toneladas fluiu em direção ao oceano. São números monumentais, com consequências idem.

Outro estudo apontou que além desse tipo de poluição, adicionais 3 milhões de toneladas de micropartículas de plástico são lançadas todos os anos no meio ambiente. Há críticos que alertam que tais estimativas estejam significativamente subestimadas.

A partir de modelos matemáticos, cientistas publicaram artigo na revista PLOS ONE indicando que a superfície do oceano abrigaria entre 82 e 352 trilhões de partículas de plástico.

Além de contaminar o ambiente marinho, as micropartículas de plástico são encontradas na atmosfera, nos solos, recursos hídricos e fauna ao redor do planeta. Graças à intensidade do modo de vida industrial e capitalista, o problema da poluição do plástico atingiu uma dimensão global.

Como o oxigênio liberado pelas cianobactérias, o microplástico se tornou um novo elemento na cesta química da superfície terrestre. Resta saber quais serão as suas consequências para a história do planeta - que é, também, a nossa história humana.

Um sopão tóxico


Resta saber, portanto, quais serão as consequências de nossa intervenção química no planeta. E apesar do problema e sua escala terem sido identificados a apenas algumas décadas atrás; apesar do número ainda escasso de estudos, pesquisadores compreenderam que os microplásticos trazem, em primeiro lugar, riscos à todas as formas de vida.

Uma revisão da literatura científica sobre o tema mostrou que efeitos negativos já estão ocorrendo. Os impactos do microplástico nos organismos vivos varia conforme as propriedades física e química das partículas.

Até o momento, os estudos realizados tiveram maior ênfase nos organismos aquáticos. Observou-se que a poluição do plástico leva a um conjunto de impactos negativos: declínio no comportamento alimentar, na fertilidade, retardamento do crescimento e desenvolvimento larval, aumento do consumo de oxigênio.

No caso dos peixes, os efeitos nocivos dependiam do tamanho e dose das partículas de plástico, e do grau de exposição a essas partículas. Registrou-se danos estruturais ao intestino, fígado, guelras e cérebro. O microplástico também afetou o equilíbrio metabólico, o comportamento e a fertilidade.

Para as aves, as evidências mostram um conjunto de impactos negativos, sendo os mais reconhecíveis o estrangulamento ou emaranhamento, a privação nutricional e danos ou obstrução do intestino. Uma vez no intestino, microplásticos podem causar sangramento, obstrução do trato digestivo, úlceras ou perfurações. A ave passa a se alimentar menos, ou morre.

O plástico também possui toxicidade reprodutiva, ativa respostas inflamatórias do organismo de aves, atraso na ovulação e aumento da mortalidade. Além disso, o plástico muitas vezes se compõem de aditivos e produtos químicos tóxicos, ou absorve contaminantes do ambiente. É ou torna-se tóxico.

Registrou-se que a ingestão de microplásticos por aves diminuiu a microbiota normal do intestino, favorecendo o aumento de patógenos prejudiciais à saúde, de micróbios resistentes a antibióticos e de micróbios degradadores de plástico.

Outros grupos de animais, de distintos ecossistemas, também são afetados pelos plásticos. Sofrem igualmente com o estrangulamento ou emaranhamento em pedaços de plástico. Ingestão de partículas provocam o bloqueio intestinal. Quando misturados ao muco da parede intestinal, os microplásticos podem ser absorvidos e transportados pela circulação sanguínea para outros tecidos.

Mais do que o comprometimento físico e das variações histológicas do sistema intestinal, microplásticos ingeridos por animais levaram a distúrbios do metabolismo, do crescimento, lesões no DNA, perturbações endócrinas, disfunções de neurotransmissão, genotoxicidade, entre outros.

Os denominados nanoplásticos - partículas menores do que 100 nm de diâmetro -, por sua vez, podem penetrar e se acumular em tecidos e órgãos. Afetam processos celulares ao interagir com proteínas, lipídios e carboidratos. Em animais terrestres e aquáticos, causaram disfunções reprodutivas e anormalidades comportamentais.

Infelizmente, estudos com mamíferos terrestres ainda se encontram no estágio inicial. Na grande maioria, limitam-se aos efeitos dos microplásticos em camundongos e ratos de laboratório. Nestes, os microplásticos estiveram ligados a danos bioquímicos e estruturais, com disfunções no intestino, no fígado e nos sistemas excretor e reprodutivo.

Décadas, séculos, milênios e milhões de anos


Sintetizado no início do século 20, o plástico passou a integrar a produção industrial em larga escala somente a partir de 1950. Desde então, seu descarte incorreto poluiu o planeta em uma escala global e massiva.

Bastou, portanto, um pouco mais de meio século para a poluição de plástico se espalhar por todos os ambientes planetários, e o seu modo de decomposição, fragmentando-se em partículas cada vez menores, exibir os primeiros efeitos negativos no planeta.

Nem completamos um século e o plástico, difundindo-se, transformou-se numa das maiores ameaças às formas de vida da Terra. Ameaça que ainda tentamos compreender em todos os seus desdobramentos e consequências.

Em 2019, havia-se produzido cerca de 9,5 bilhões de toneladas de plástico. Utilizando-se os dados atuais, isso representaria quase 2 bilhões de toneladas descartadas indevidamente no ambiente. 2 bilhões de toneladas de plástico que entraram no moroso processo de decomposição, fragmentando-se e gerando partículas cada vez menores.

Bastou meio século para produzir um problema de proporções geológicas. Estamos aprendendo sobre o tema, e talvez demore um século para gerar um panorama mais abrangente, pelo qual se possa entender as inúmeras influências atuais e futuras da poluição de plástico na história terrestre.

Enquanto isso, o plástico acumulado no ambiente persistirá decompondo nos próximos milênios, ou milhões de anos, gerando incessantemente trilhões e trilhões de micro e nanopartículas de plástico.




Por Lino Breger
Agitador Cultural

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