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Ferramentas de um escritor

Não existe uma fórmula para escrever. Mas existem fundamentos que podem contribuir no processo de escrita. Vale para qualquer um, de alguém que se embrenha pela primeira vez na prática de colocar palavras em papel até os mais experientes com a linguagem.

Os fundamentos incluem de elementos estruturais da narrativa a nuances da linguagem e do estilo. A sua importância cresce ainda mais quando, diante da enorme quantidade de escritos produzidos cotidianamente por pessoas, soma-se aqueles produzidos por autômatos da inteligência artificial.

Explorar esses fundamentos e suas ferramentas é trabalho do escritor. Através deles se cria uma sequência de códigos num suporte, segundo regras pre-determinadas, a partir dos quais o leitor se guiará. O bom escritor proporciona a melhor condução da leitura alheia possível.

Nas seções abaixo, faz-se uma introdução dos elementos importantes para quem se pretende um condutor pelas palavras.

Os personagens


Uma história pode ter coração e alma por meio de personagens. Eles são uma entidade fictícia, representações da subjetividade humana, existindo por e através do escritor e seus leitores. Nas narrativas, em geral desempenham algum tipo de papel.

Os personagens impulsionam a trama, expressam emoções ou pontos de vista, criam conflitos. Na ligação que possuem com os leitores, permitem aos mesmos vivenciar o mundo narrativo como se entrassem dentro de uma vida alheia.

Em termos de complexidade e desenvolvimento, observa-se grande diversidade. Personagens podem ser planos, unidimensionais, apresentados como estereótipos ou caricaturas. Outros se mostram complexos, multidimensionais. Podem ser pessoas ou, quando humanizados, animais e objetos.

Usualmente, dividem-se os personagens de uma narrativa em protagonistas - os principais, a partir de quem a história se desdobra -, em antagonistas - aqueles que rivalizam ou se opõem aos protagonistas -, e personagens secundários - aqueles que desempenham papéis de apoio.

Pode-se imaginar o perfil do personagem, suas características físicas, traços de personalidade, objetivos ou medos. À medida que o personagem ganha vida, a história também.

Estrutura do enredo


Enredo é a estrutura narrativa da história, a sequência de eventos que compõem a trama. É por meio do enredo que a história se move adiante. Ele está intrinsecamente ligado ao tempo narrativo, a maneira como se organiza o tempo dentro da história.

Quando o enredo se monta em ordem linear, cada evento acontece em sequência na trama, do começo para o fim ou vice-versa. Em literatura, no entanto, o natural está à disposição do autor para ser subvertido. A ordem das coisas pode ganhar uma estrutura diversa, com o remanejamento de cenas no fluxo da história. Presente, passado e futuro se misturam.

O tempo também se une ao enredo por meio do ritmo da narrativa. Há momentos da história que ocupam um único parágrafo. Um conjunto de acontecimentos ocorre com rapidez. Outros se estenderão por algumas páginas, de resolução lenta. A relação desses momentos com o restante do enredo cria um ritmo à leitura, influenciando a sensação de transcorrer do tempo da história.

Uma boa leitura é aquela que prende o leitor até o final do livro. Para alcançar tal resultado, imprescindível criar um enredo e um tempo narrativo sem lacunas por onde escape a atenção do leitor. São muitas as possíveis formas de um enredo, entre elas:

  • linear: os eventos da história são apresentados em sequência cronológica - começo, meio e fim;
  • circular: a história retorna ao ponto de partida ou ao mesmo evento, em ciclo que se repete;
  • paralelo: duas ou mais tramas diferentes ocorrem simultaneamente e, eventualmente, se conectam de alguma forma;
  • não linear: eventos fora da ordem cronológica, misturando presente, passado, futuro;
  • epistolar: composto por série de cartas, diários, e-mails ou outros documentos escritos;
  • mosaico: utiliza a perspectiva de diferentes personagens;
  • espiral: enredo em que se revisitam temas, locais ou eventos, a cada vez com maior profundidade de compreensão ou com adição de mudanças;
  • psicológico: a trama centra-se na evolução psicológica ou emocional dos personagens;
  • mistério: gira em torno da investigação de enigma ou crime. Em geral, inaugura-se por um ato que os personagens buscarão desvendar;
  • epopeia: narrativa das aventuras do protagonista ou grupo de protagonistas.

Caberá ao escritor decidir pelo enredo que melhor se adeque à história ou personagem, utilizando uma ou mais formas existentes. E também inventando novas. 

Espaço


O espaço se refere ao ambiente físico e ao contexto em que a narrativa se desenrola. Ele pode ser usado para caracterizar personagens ao informar sobre origens sócio-culturais, preferências e valores. Por exemplo, o tipo de habitação, ou o local, servem para contextualizar um personagem e sua vida.

Além do plano pessoal, o local também aborda o período histórico e as questões culturais de uma narrativa. Diz sobre quando e onde se passa a história que, muitas vezes, constituem elementos essenciais para a compreensão da trama ou de normas sociais às quais os personagens se submetem.

Aqui também há grande liberdade criativa. Em vez de ocupar o plano de fundo, é possível converter o espaço num componente central do desenvolvimento da narrativa literária. Um história pode se originar do espaço, a ele se conformando.

É claro, o espaço pode funcionar como uma outra coisa. Como um símbolo, carregado de significados ou, pelo contrário, vazio de sentidos. Ele pode funcionar como a costura de personagens e seus acontecimentos, transformando-se conforme ambos evoluam na trama. Pode ser uma galáxia, o interior da consciência, uma cidade da antiguidade: conforme demandar o texto.

Ponto de vista


Toda história possui o ponto de vista através da qual é contada. Um elemento fundamental que conformará os restantes elementos da narrativa e proverá a conexão com o leitor.

Os pontos de vista mais comuns são em primeira e em terceira pessoa. Em primeira pessoa, quem conta a história é um personagem. Com isso, a narração ganha as tonalidades desse personagem, cujo envolvimento com a história varia à critério do escritor - pode ser contada desde pelo principal protagonista até por um completo estranho aos fatos.

A terceira pessoa faz uso do narrador, entidade externa à história responsável por descrever os personagens, o espaço e os acontecimentos. O ponto de vista do narrador pode penetrar pouco na vida interior dos personagens ou então expor fluxos de consciência e sentimentos íntimos.

A distinção entre os pontos de vista corresponde, portanto, à localização de quem conta: se está dentro da história (primeira) ou se está ausente, num plano além da história (terceira).

As fronteiras entre um ponto de vista e outro são intransponíveis. São como água e óleo. Mas como uma estrela no espaço, é possível curvar o espaço-tempo narrativo que separa os pontos de vista. Pode-se criar um personagem que, no interior da trama, assuma o papel de narrador em terceira pessoa de uma outra história.

Pode-se desenvolver personagens que, ao longo da narrativa em terceira pessoa, reconheçam sua qualidade de personagens da história, jogando luz sobre a entidade do narrador. Ou, enfim, narradores em terceira pessoa que em determinado momento mergulham no interior da história ou são por ela influenciados.

Estilo


Em literatura ficcional, um aspecto importante é a capacidade do escritor em moldar o texto com um tom individual e único: um estilo. Isso se forma a partir do uso das palavras, da construção das frases, da aplicação de figuras de linguagem, do desenvolvimento de personagens e diálogos e das demais ferramentas de escrita.

Vale aqui o velho ditado: um bom escritor deve ser, antes de tudo, um bom leitor. Um hábito de leitura forte serve como guia para que alguém, a partir de sua experiência de vida e de seu lugar no mundo, traduza para a forma escrita suas histórias com voz própria.

Não basta somente a leitura. Uma escritora ou escritor se faz por meio da prática rotineira de escrever. Da combinação da leitura, da prática e da bagagem pessoal vai se formando o estilo, composto por uma constelação de partes, entre as quais:

  • dicção: abrange o vocabulário, a escolha de palavras, a construção das frases - longas ou concisas;
  • atmosfera: a capacidade de dar ao texto uma ambientação;
  • o modo de explorar o tempo e o ritmo;
  • uso de figuras de linguagem;
  • construção de diálogos.

O estilo é algo que, para alguns, emerge rapidamente. Mas pode demorar a se formar, demandando muita prática.

Edição


O escritor Otto Lara Rezende, numa de suas crônicas, afirmava: escrever é editar. Quando se coloca o ponto final no texto, o escritor ou escritora completou apenas parcialmente seu trabalho. Criou a matéria-prima do processo de escrita, que então deve ser transformada no produto final.

Entende-se por edição a tarefa de revisar o manuscrito para maior clareza, coerência e estilo. Inclui a crítica aos elementos da narrativa: enredo, ritmo, coerência da construção, apresentação de personagens e do espaço.

A dicção também se coloca sob a mira da edição, buscando-se o aprimoramento do texto. Cortam-se trechos em excesso, reformam-se sentenças, corrigem-se falta de clareza ou uso de figuras de linguagem desgastadas. Enfim, espreme-se o limão para se fazer a limonada.

Depois de todo essa dedicação, chega-se ao estágio final dum manuscrito. Haverá sempre um detalhe a ser editado, o que só termina com a publicação. O que é uma outra história.




Por CF Scuo
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